quinta-feira, 23 de junho de 2016

Quando trabalhei com autismo, ao acaso

Olá, 

Escrevo hoje para contar outra experiência específica de trabalho, com o autismo. O que aconteceu foi que, no quarto ano de faculdade, apareceu a possibilidade de fazer um estágio, extra curricular que dava uma mini bolsa na mensalidade e a possibilidade de entrar em contato com pacientes. 

Era na DERDIC, uma escola e um centro de atendimento para crianças e adolescentes com deficiência auditiva. Passei por uma entrevista em grupo e por uma dinâmica muito estranha em que nos pediam para brincarmos todos juntos em silêncio com uma caixa com uns brinquedinhos no chão. Por algum motivo, selecionaram meu brincar em silêncio como suficientemente bom para trabalhar com eles e passei ater aulas de LIBRAS, a língua brasileira de sinais e a atender em dupla um grupo de crianças em uma sala ao lado de uma sala em que outra dupla atendia suas mães.

Foi uma experiência incrível, em que pude desmistificar preconceitos e entrar em contato com crianças que apesar de não escutar uma palavra do que eu dizia se comunicavam perfeitamente, brincando de forma incrivelmente rica e interessante, formando vínculos conosco e demonstrando aprendizagem, afeto, braveza, frustração, tristeza e tudo o que poderíamos perceber em uma criança falante, da mesma forma. Foi muito enriquecedor. 

Ao final deste ano, me convidaram para, lá mesmo na DERDIC, participar também de um estágio de atendimento clínico a crianças ou pais de crianças da instituição. Imaginei que chegaria a mim um deficiente auditivo, pois ali eram encaminhadas as crianças que não falavam até certa idade. Pois bem, no diagnostico diferencial, caiu em minhas mãos uma suspeita diagnóstica de autismo. Eles também tem dificuldade com a fala e às vezes aparecem por lá. 

Qual não foi minha surpresa quando percebi que esta criança, com a suspeita diagnóstica de autismo, também era capaz de comunicar de variadas formas seus desejos, frustrações, alegria, entre tantas outras coisas, fazendo vínculo comigo?

O ano inteiro se passou e eu me formei na graduação. Levei meu caso da DERDIC para meu aprimoramento, que foi no ambulatório de autismo e psicose infantil da Clínica da PUC, inspirada no trabalho com ele. Passei mais um ano atendendo o menino que foi comigo para o consultório, depois de eu ter concluído o aprimoramento. Alguns meses depois, a mãe, que morava muito longe, conseguiu uma escola especializada em casos como o dele, de período integral, o que inviabilizaria a continuidade do atendimento. 

Atendi ele e outros casos graves no aprimoramento, mas tenho certeza absoluta que as crianças com deficiência, e este menino, que mora no topo de minhas maiores experiências clínicas de atendimento até hoje, me ensinaram o mais importante sobre o atendimento a qualquer ser humano: cada mini avanço é um passo de gigante. 

No caso dele, que tinha tantas limitações tão imensas na expressão, na vinculação, na possibilidade de estar com outras pessoas, cada sessão era a possibilidade de ver vida em seu olhar, de ver sentido em seus sons e em ver vinculação entre nós. Isso era um avanço absurdo. Quando passei a tender crianças sem nenhum diagnóstico complicado, adolescentes ou adultos, meu olhar já não era o mesmo. Minhas pontuações já não eram as mesmas. Minha sensibilidade para os detalhes, que também são importantes em outros casos, não era a mesma. 

Não sei o que de fato pude fazer por ele. Espero que algum avanço na possibilidade de confiar em alguém, de estra com outro ser humano e se sentir seguro. Mas ele, o que fez por mim não tem tamanho. Ele, com todas as reflexões, cuidado, necessidade de observar os pequenos e minúsculos detalhes, me tornou uma psicoterapeuta. Sem dúvida. 

Continuo indicando a todos que buscam atendimento para casos graves como o dele, o Espaço Palavra, que é o nome do ambulatório onde me formei na PUC-SP. O atendimento da questão do autismo lá é cuidadoso e de excelência até hoje. Para entrar em contato liguem no 11 3862-6070. 

E para o cuidado com a deficiência auditiva, procurem pelo DERDIC, espaço de apoio a toda a comunidade,além de oferecer atendimento psicológico e educação especializada. Contato através do 11 5908-8000.

Cuidem de suas crianças! 

Um abraço!

Carol




segunda-feira, 20 de junho de 2016

Quando trabalhei com T.O.C., os transtornos obsessivo-compulsivos



Olá, 

pensando em temas para escrever por aqui, me lembrei de um estágio que fiz no primeiro ano da faculdade no PROTOC, o ambulatório de estudos e tratamento do Transtorno Obsessivo Compulsivo no Hospital das Clínicas, da USP. 

Na época, um amigo meu de classe estava saindo do estágio e precisava de uma pessoa para indicar à vaga e me convidou. Na época, eu ainda estava engatinhando no conhecimento sobre psicologia, não havia feito nenhum estágio e queria muito por a mão na massa. Além disso, por coincidência, uma tia minha, psiquiatra, trabalhava em dupla com o chefe do Serviço em algumas pesquisas e achou a ideia muito animadora. 

Pois bem, fui eu começar a trabalhar na rotina de um centro de pesquisa, conhecer os manuais de transtornos psiquiátricos e começar a entender que existiam nomes para todo o tipo de distúrbio possível e imaginável no comportamento e nos afetos humanos, tudo detalhado a exaustão nas diversas categorias e subcategorias dos manuais. A pesquisadora querida com quem trabalhei brevemente no período em que fiquei por lá, me mostrava e explicava tudo, dando ênfase ao capítulo sobre os transtornos de ansiedade, em especial os obsessivos compulsivos, sobre os quais eu precisaria entender bem para ajudá-la com as entrevistas.

Entrevistas? Sim! Entrevistas. Eu não estava em nada pronta para isso e não eram entrevistas com a população dali do hospital e sim viagens ao interior de São para visitar pessoas com casos muito graves em suas residências, pois eles não conseguiam ir ao hospital. Era um atendimento domiciliar, com entrevistas padronizadas pelo manual no ambiente em que as pessoas moravam. 

Fiz apenas uma destas viagens. Eu era primeiro anista e não tinha nem ao menos feito um treino de entrevista na clínica da faculdade e a vulnerabilidade daquelas pessoas me pegou muito fundo e não tive coragem de seguir trabalhando ali, pois não iria conseguir ajudar. Não ainda. 

Dei algumas desculpas, como o excesso de matéria para estudar na faculdade, ou a falta de interesse pela abordagem que a psicóloga que trabalhava comigo utilizava em sua pesquisa, que era a Cognitivo Comportamental, mas hoje, sei que não era nada disso. Era a angústia de lidar pela primeira vez com algo tão delicado quanto o sofrimento humano. Sofrimento grave, de pessoas em situações muito vulneráveis social e mentalmente. 

O transtorno em si se baseia em comportamentos e pensamentos associados que em teoria ajudam a pessoa a se "livrar" de uma ansiedade muito intensa, mas que na verdade, quando muito intensos, acabam por impossibilitar que a pessoa exerça suas funções mais básicas, pois podem tomar totalmente conta de sua mente e de seu tempo diário. E com isso eu não conseguia lidar ainda. E talvez ainda não possa até hoje, pelo menos não sem a parceria de um bom psiquiatra que dialogue comigo. 

Esse curto período de tempo me serviu para ver muito rápido com o que eu estava indo mexer. Que a coisa era séria e que não seria nada fácil ver tudo o que a mente humana era capaz de fazer com si mesma. 

Certamente me abriu para ser mais cuidadosa e acolhedora com os caso que chegassem até mim!

Indico ainda hoje o PROTOC, aqui em São Paulo, referência absoluta em tratamento e pesquisa sobre o tema. Para entrar em contato com o PROTOC  ligue para (11) 2661-6972. 

E peço a todos que tenham algum conhecido com sintomas de pensamentos, comportamentos obsessivos, ou ambos, que tenham paciência e que busquem a ajuda especializada para que a pessoa possa ter chance se encontrar terapia adequada, medicamentosa, de apoio social, de grupos de acolhimento que a façam diminuir essa angustia tão profunda que o transtorno causa!

Cuidem-se!

Um abraço, 
Carol


quarta-feira, 8 de junho de 2016

Pensando sobre adolescentes que se cortam

Olá, 

Escrevo sobre este tema, por que há algum tempo vem chegado até mim relatos sobre esta "moda" dos adolescentes de se cortarem e isso vem me chamando a atenção por vários motivos. 

O primeiro deles é pela identificação, pois eu mesma, na adolescência, gostava muito de uma banda específica, e sem conhecer esta "moda", usava um plastiquinho que vinha dentro do selo de segurança no CD da banda para marcar o nome da banda no meu antebraço, feliz da vida com este segredo que, na minha cabeça, me aproximava mais deles, marcando-os como uma tatuagem provisória em mim. Coisas de fã adolescente. 

O segundo é por que uma das situações relatadas a mim, veio de uma profissional de uma instituição que abriga crianças em situação de acolhimento e falava sobre o cortar-se ser uma prática comum e difundida entre os adolescentes da casa através da internet como algo "bacana" de ser feito, com adolescentes postando tutoriais de como fazer, como esconder, etc. 

Me preocupou por ser algo massificado pela internet e não pelo fato em si do cortar-se, já que nunca é algo feito para machucar, pelo que tenho entendido. O adolescente, pela fase que está passando na vida, é uma criatura das mais vulneráveis possíveis, por vários motivos: ele não é mais o bebê mais lindo da casa, seu corpo está em fase de enorme transformação e em muitos momentos isso se torna desproporcional, torto, estranho e dá muito medo, na visão deles. 

Além disso, afloram neles os hormônios da sexualidade que está se desenvolvendo e essa sexualização vem acontecendo cada vez mais cedo por diversos motivos, o principal deles, por conta das mídias de massa, sejam as redes sociais, os programas de TV, o Youtube, os jogos de vídeo game, e assim, o adolescente tem acesso a conteúdos que ele não entende propriamente, mas que passa a fazer parte de seu universo simbólico e de fantasias, gerando muita ansiedade e mais medo.

O se cortar, por si só, não é o problema. O problema maior é o que isso vem simbolizar. É claro que nem todo o adolescente está passando pelo mesmo momento e que não vai se cortar pelo exato mesmo motivo. Todos estão em busca de uma identificação com algo que faça sentido para eles. Querem ser alguma coisa, querem se transformar em alguma coisa, têm muita energia e vontade de serem adultos para poderem ser "donos do próprio nariz" e ao mesmo tempo muito medo, por que sabe que ainda não tem as ferramentas ainda para isso. 

O que está em jogo é a auto estima, a aceitação, o olhar do outro, o reconhecimento. Eles querem ser amados, mas não sabem como, nem por que, nem por quem. Querem se transformar em algo admirável, mas morrem de medo de passar vergonha, de serem julgados pelos amigos, pelo mundo de forma geral. 

A cultura do chamado "bullying" que chama assim agora, mas sempre existiu como humilhação dos coleguinhas que eram excluídos de um grupo por nenhum motivo relevante, mas apenas porque alguém decidiu assim, vem do medo dessa vergonha que todos tem medo de passar e que alguns, com tanto ou mais medo que os outros, acabam por incutir nos outros como defesa, para não serem alvos da exclusão. Ou seja, quem pratica o bullying, tem na verdade muito medo de sofrer o bullying. O que gera esse processo todo é conhecer muito bem a necessidade de acolhimento e negá-la a alguém por um motivo qualquer. 

O desejo de se cortar, pode vir de diversas origens emocionais diferentes, mas fala de algo muito simples, que é a necessidade de se sentir vivo. O limite corporal no adolescente é muito importante para ele. As emoções são fortes e intensas, as crises absurdas, chora-se muito e muito alto, dá-se gargalhadas altas e se briga sempre com volume e confusão. Há a necessidade absoluta de ser notado. Quando há algo que não parece funcionar na vida do adolescente (e sempre há), como não se sentir notado por aquela pessoa que se ama, não corresponder a expectativa de um grupo (de amigos, de familiares, de professores, ou qualquer outro), há uma sensação da mesma forma intensa de frustração. 

Tudo, na cabeça deles, é questão de vida ou morte, há uma dramaticidade absurda que não há meios de eles entenderem as próprias emoções de outra forma, por conta da injeção hormonal e da alta expectativa que eles tem sobre começar a vida social, afetiva e emocional. 

O cortar-se pode ser uma forma de gerar um alívio a todas essas dores internas incontroláveis, passando para um foco em uma dor externa e sobre a qual ele tem total controle. Pode também ser esta maneira, de, diante da sensação de apatia nas relações físicas que ele não está apto a ter ainda, sentir seu corpo, seu limite corporal, ver seu limite e sentir-se vivo. Também é possível ser por conta da necessidade de chamar a atenção das pessoas, adultos ou pares adolescentes para si, como um pedido de socorro. 

O principal não é punir o ato em si. Não há como se aproximar de alguém desta maneira, apenas através da punição. O principal é compreender que há, na vida emocional daquela pessoa, algo que está errado. O melhor que se pode fazer é conversar, não sobre o cortar-se em si, mas sobre como a pessoa está se sentindo, abrindo diálogo para isso na relação com ele. 

É muito comum encararmos as crianças e os adolescentes como "café com leite" nas discussões importantes da vida familiar, escolar, ou de qualquer grupo, sem incluí-los nas informações sérias e importantes e sem conversar com seriedade, ouvindo e levando em consideração o que sentem e pensam sobre algum assunto.

O cortar-se pode ser uma forma de eles dizerem aos adultos que estão sentido, que estão pensando, que estão sim sendo afetados por alguma coisa. Mesmo que uma situação seja grave, como uma separação, uma violência, uma agressão, ou mesmo uma morte na família, se não é tratado com o adolescente ou a criança com algum tipo de verdade, isso pode sim gerar sintomas como este ou como outros (anorexia, bulimia, depressão, ansiedade). 

É preciso abrir o canal de comunicação com eles, do contrário, vão sugar a informação sem compreendê-la e isso pode gerar muita angústia e sintomas na vida cotidiana deles, trazendo prejuízos na formação de identidade deles e na vida emocional que vão entender que é possível.

Ouça, fale, abra o diálogo sobre as coisas com seus filhos, sobrinhos, alunos, com as crianças e adolescentes de sua vida. Isso fará uma grande diferença na relação deles com si mesmos, com vocês e com a própria vida, trazendo segurança e tranquilidade para que eles decidam quem querem ser.

Boa sorte e um abraço!

Carol

domingo, 5 de junho de 2016

Sábados | 14h as 17h | Centro Cultural São Paulo: Psicodrama Público Gratuito



Olá, 

Neste último sábado, 4 de junho, participei de uma sessão de Psicodrama Público no Centro Cultural São Paulo, na estação Vergueiro do metrô, recomendada por minha tia, psiquiatra e por minha prima, psicodramatista em formação. 

Eu já tinha participado de uma sessão há alguns anos atrás durante o curso de formação de uma colega minha da faculdade e havia ficado muito bem impressionada com a força desta forma de trabalho com a psicologia.

O psicodrama é uma encenação coletiva e de improviso, dirigida por uma psicologa, psicodramatista, que sugere um tema ao redor do qual os integrantes podem improvisar com seus conteúdos pessoais, com elaborações de seu mundo interno de fantasias e que tem a possibilidade de elaborar insights, catrases e elaborações pessoais de seus conteúdos, mas também de haver a elaboração de temas da sociedade, atuando como ferramenta poderosa de exercício da cidadania, da convivência com pessoas da comunidade que de outra forma não teriam esta convivência, diálogo e troca. 

O psicodrama público é um espaço de direito, aberto e altamente recomendável a todos, que tenham ou não uma questão pessoal a trabalhar, por enriquecer através da troca que ocorre sempre, havendo ou não a participação ativa do participante. 

As sessões acontecem todo o sábado das 14 às 17 horas e o participante pode chegar a qualquer momento da sessão e fazer, mas o ideal é chegar no hora, para entrar desde o aquecimento para ter a melhor participação possível e entrar na sintonia do grupo que se formará no dia. 

O Centro Cultural São Paulo fica aqui: Rua Vergueiro, 1000 - Paraíso, São Paulo - SP
O telefone para maiores informações: (11) 3397-4002
Indico para quem tem interesse em conhecer e também para quem procura um espaço de reflexão e elaboração de suas questões. 

É um espaço gratuito! Aproveitem!

Um abraço, 
Carol

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Sobre a Cultura do Estupro



Olá, 

andei um pouco ausente do blog, em parte por excesso de trabalho e em parte por conta de me sentir incapacitada a dizer algo depois do evento escabroso da semana passada do estupro coletivo de uma garota de 16 anos no Rio de Janeiro.

O que está em jogo neste texto não é o caso em si, apesar de ele ser absolutamente arrebatador, e de por conta dele mesmo eu não ter conseguido escrever nada por aqui, ou por lugar nenhum, nem pensar com clareza ou tomar uma posição e falar alguma coisa. 

A minha posição é clara. Há muita coisa errada na relação que a nossa sociedade tem com o papel das mulheres. Não espero aqui explicar os motivos históricos deste problema, nem convidar ninguém a algum movimento feminista ou algo do tipo.

Minha proposta é apenas pensar junto com vocês, como é possível que tantos rapazes possam não apenas achar que seria uma boa ideia cometer o crime do estupro coletivamente, como também divulgar o ato nas redes sociais como um troféu.

O que passa pela minha cabeça é que os rapazes acreditam que fizeram algo digno de ser compartilhado, algo que lhes geraria uma fama positiva, que sem dúvida, acabou gerando um movimento dividido em dois lados: os que acreditam e os que não acreditam no que aconteceu. Uma calamidade absoluta, dado que o ato está gravado.

Se hoje, em muitos lugares do Brasil, tivemos manifestações muito fortes contrárias ao que estão chamando de "Cultura do Estupro", é por que algo neste compartilhamento violento fez as pessoas pensarem. Pensarem sobre como estão educando a sociedade, em especial as crianças, sobre o que é ser uma mulher e o quanto (?) ela vale. 

As mulheres são educadas as serem cuidadosas com diversas coisas, por que os meninos "são assim mesmo", enquanto os meninos estão sendo educados para serem agressivos, violentos, objetificarem as mulheres com muita naturalidade.

A mensagem não vem claramente, nem verbalmente, mas vem de forma a inferiorizar o papel feminino e a desumanizar a mulher, colocando-a como um objeto, desde a sua "função" mais básica. 

As mulheres são as esposas, são as mães, são as profissionais de menor valor, tem as opiniões de menor valor, tem o mesmo emprego apenas se ganhar menos. São desmerecidas no mercado de trabalho por que podem engravidar e trazer um "prejuízo" ao empregador. 

Na vida real, as mulheres, que trazem a humanidade à luz, são meros objetos. Os homens aprendem isso nas revistas, com os pais, tios e amigos que os levam para serem "iniciados" nas casas de prostituição, que assistem à industria pornográfica que além de gerar tráfico de mulheres, fornece uma imagem absolutamente centrada no prazer do homem e trata os relacionamentos de forma agressiva e irreal, gerando um imaginário em que a violência está permanentemente associada ao sexo.

Este imaginário não é real e assistir e este tipo de produção financia não apenas uma vida de fantasias sexuais doentias, atrapalhando muito a forma com um homem vai conseguir sentir prazer depois de assisti-los, como também financia a produção real de demanda nesta indústria que violenta de diversas formas as mulheres que trabalham nela. 

Uma menina ou uma mulher que passa por abuso, por situação de violência sexual, sendo ela física, emocional ou psicológica, acha que tem culpa nisso, pois a sociedade ensina as meninas a terem cuidado com o que fazem, o que falam, por onde andam, como se comportam e como se vestem, como se isso justificasse a violência do homem. 

Muitas vezes, dentro ou fora deste mercado do sexo e da pornografia, as mulheres acabam por entrarem numa vida de culpabilização tão intensa que sua auto estima se esvai e elas acabam por entrar em mecanismos de auto destruição severos, como o abuso de drogas, ou mesmo se colocam em situação de vulnerabilidade ou ainda chegam a cometer o suicídio.

Em certas culturas e religiões, e mesmo na nossa mídia de massa, dadas as devidas proporções, o homem é tratado como "um animal que não consegue reprimir seus instintos", e o papel da mulher seria se casar para satisfazer o desejo dele e se esconder dos outros animais que não são seus maridos. Isso está certo? Absolutamente não!!!

Não há nada que justifique que esta educação tão díspar entre os gêneros, que mesmo que com bases religiosas se perpetuam sem críticas, já que as religiões são antigas e podem ter surgido em uma época em que a mulher não era vista nem como ser humano.

Hoje já tivemos inúmeros avanços. Votamos, temos direitos de existir independentemente de nossos pais ou de nossos maridos, podemos até não ter maridos, trabalhar, mas visão que é passada aos homens e mulheres que vem chegando, ainda é a pior possível. 

Ainda se duvida da violência sofrida por uma mulher baseando-se apenas na conduta dela, como se ser livre, ter uma vida sexual ativa, estar solteira, andar sozinha, beber, sair, falar palavrões, não ter uma religião, ter amigos homens, ou qualquer outro comportamento pudesse justificar um estupro.

Veja bem, não há nada que possa justificar a violação do corpo de alguém. O limite entre dois corpos é bastante claro. Não há a possibilidade de alguém entrar dentro do corpo de outra pessoa sem que a pessoa queira. Simples assim. Independente do que a pessoa faz antes disso ou de seus hábitos na vida cotidiana. 

O nosso corpo é nosso. Mesmo sendo uma mulher. Tanto quanto o corpo de um homem é dele. Não é possível que uma premissa simples como essa não possa ser seguida.

E ela não é. Por que o corpo da mulher é usado como objeto em todo e qualquer meio de comunicação de forma banalizada. O corpo da mulher vende produtos, dá audiência a músicas, a filmes, peças de teatro. A sexualização da relação entre homem e mulher, de forma muito caricata e agressiva vende enredos de novelas, de filmes, seriados. A misoginia e a homofobia, além de outros preconceitos graves raciais, religiosos e de classe social, vendem programas de humor e dão suporte às conversas de bar e entre amigos nas redes sociais.

Uma novidade para vocês é a seguinte: assistir a estes programas e rir deles, comprar estes produtos, consumir o mercado do sexo ou a pornografia em vídeo, impressa ou de qualquer maneira e até rir das piadas de seus amigos sobre uma mulher é colaborar para cultura do estupro. 

Ela já é forte o suficiente e não precisa de incentivos e sim do contrário.

Numa analogia simples, podemos dizer que consumir os produtos da cultura do estupro e dizer que é contra ela, é equivalente a consumir produtos de origem animal e dizer que é contra o sofrimento dos animais.

Não é possível estar dos dois lados ao mesmo tempo. Ou você se posiciona de um lado ou do outro. 

Nesse sentido, acho que anestesiamos o raciocínio e a reflexão sobre um tema difícil por que a cultura é tao dominante que fica "chato" sair da norma imposta por ela. 

É como se sentir indignado com o tema, mas dizer "Não, mas eu só vou assistir a esse videozinho pornô hoje, não faz mal a ninguém", ou então "Não, mas só vou rir dessa piadinha sobre a mina que meu amigo comeu e fotografou para não ficar chato", ou ainda, duvidar deste caso tenebroso desta forma: "Nossa, mas será que essa menina não estava pedindo, ou que ela gostava destas coisas?". Não, ninguém está pedindo um estupro. Não importa do que ela goste! Se a pessoa está pedindo, não é mais um estupro, aí a coisa se transforma em sexo, que é ótimo, quando as pessoas querem fazê-lo. Se a menina estava desacordada, ela não tinha como querer. Simples assim. 

Enfim, difícil demais falar sobre isso, pensar sobre isso. 

Só espero, do fundo do meu coração, que esta tragédia absurdamente revoltante tenha servido para as pessoas pensarem sobre como estão agindo, como estão pensando, como estão aceitando o que lhes é imposto goela abaixo, como estão tratando seus parceiros, seus filhos, como estão educando suas crianças, como estão contribuindo para essa atrocidade e como podem mudar o montante de sua contribuição. 

Vamos continuar lutando contra essa disparidade absurda entre como o mundo deveria ser e como ele acaba sendo, por força de velhos e tenebrosos hábitos?

Vamos nos incomodar e com isso parar para pensar? Espero verdadeiramente que sim!

Um abraço, 
Carol