segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Gratidão e redirecionamentos de energia



Olá, 

É comum nesta época do ano termos algum tempo para refletir sobre o ano que se passou e sobre as conquistas e avanços que a vida nos trouxe, nos ajudando até a traçar metas que ainda não realizamos para o ano que está por vir. 

Vale a pena fazer um balanço daquilo que aconteceu e pensar com calma nas coisas que foram fruto de um projeto de longo prazo e do esforço em mudar atitudes e comportamentos diante das situações e do que não houve controle e que, mesmo assim, pode ser encarado de alguma forma por você trazendo crescimento ou aprendizado.

Todas as situações pelas quais passamos pode nos ensinar alguma coisa. Mas é comum haver uma dificuldade em reconhecer uma situação como fonte de aprendizagem quando ela também promove muita ansiedade ou angústia. 

Neste sentido, é importante estarmos sempre muito conectados a nos mesmos, pesando se a situação nos cabe, se podemos ajudar mesmo ou se não há o que fazer a respeito. É muito comum gastarmos uma energia imensa levando nas costas problemas que não nos cabem resolver ou projetos que não fomos nós que idealizamos para a nossa vida. 

Para o ano que se inicia, desejo que todos nós possamos olhar mais para nós mesmos, conseguindo diferenciar entre pesos que podemos e que não podemos e nem devemos carregar, liberando assim energia para ser investida em nós mesmos e nos projetos que idealizamos ou idealizaremos, fazendo sentido para nós. 

Direcione sua energia para dentro, conheça e cuide mais de você, pois assim, mais inteiro, você poderá ter mais clareza e tranquilidade para oferecer compaixão e apoio aos outros a sua volta, à sua maneira.

Tenho este blog já há três anos, mas foi só em julho deste ano que consegui começar a direcionar energia pessoal a ele e começar a escrever mais textos autorais e não apenas divulgar eventos gratuitos na psicologia e na educação que pesquisava em outros blogs. Precisei de coragem para me expor e fui muito bem recebida e, por isso, agradeço de coração ao apoio, aos comentários incentivadores e a todos que participam ou participaram de alguma forma deste espaço de reflexão. Muito obrigada!

Desejo um ano novo mais doce para vocês e para o seus amores!


Um abraço,
Carol

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A carne é fraca

Olá, 

Nestes últimos 21 dias estive em uma missão pessoal e acabei não conseguindo postar um texto novo. Minhas energias foram todas gastas em uma readaptação alimentar no desafio de viver sem ingerir nenhum tipo de animal por 3 semanas. 

Esta decisão que não vinha a princípio de uma preocupação com os animais, mas com a minha saúde, vinha me rondando há algum tempo até que recebi deste site: http://desafio21diassemcarne.com/, o desafio a ser seguido e que vinha com emails diários incentivando com argumentos e mais argumentos a favor da causa, dos animais, do meio ambiente, da saúde e da ética na relação com outros seres vivos não racionais, além de exemplos de pessoas que seguiam a dieta vegana, e não apenas a vegetariana, ou seja, não ingeriam nenhum tipo de derivado animal, além de não ingerir sua carne.

Descobri muitas coisas sobre a indústria da carne bovina, do frango e outras aves como os perus, do porco, dos frutos do mar, do leite, dos ovos, sobre impacto que isso traz a vida destes animais que são abatidos ou utilizados até a exaustão e que vivem como escravos num verdadeiro campo de concentração. 

Descobri muito sobre o impacto que esta indústria traz ao meio ambiente, através do metano que os bois liberam no meio ambiente em sua digestão e que causa grande desequilíbrio na camada de ozônio, além do gasto absurdo de água para apenas algumas gramas de carne, sobre a quantidade absurda de dejetos que estas industrias liberam em nosso lençol freático, poluindo as nossas águas. O impacto desta industria é surpreendentemente maior do que o impacto dos meios de transporte como um todo mesmo se pensado somente na emissão de Gás Cabôrnico.

Descobri os benefícios que traz a nossa saúde não ingerirmos o produto deste sofrimento, por conta de hormônios que usam para o crescimento rápido nos animais e antibióticos que são usados em maior escala por eles do que por nós, para que eles suportem permanecer vivos em ambientes imundos sobre seus próprios dejetos, pelo menos até terem o peso ideal para o abate, darem a quantidade ideal de leite, de ovos ou ter a quantidade ideal de filhotes. 

Descobri que através de produtos vegetais somos capazes de ingerir tantas ou mais substâncias necessárias para nutrir o nosso organismo e que há uma cultura do "carnismo" que nos faz acreditar que a carne e os derivados dos animais são única forma de permanecermos saudáveis e nutridos como deveríamos. Sendo que na verdade é absolutamente possível viver sem eles. Descobri um cardápio muito criativo e interessante criado com estes alimentos e que na verdade retiramos apenas um elemento de nosso prato diário podendo abrir o espaço para conhecer diariamente novos acompanhamentos coloridos e deliciosos para o nosso arroz e feijão de cada dia. 

Descobri também que existe ainda hoje uma indústria pesada de couro e peles de animais como raposas, guaxinins, coelhos, ovelhas, além do couro que é um produto final do comércio da carne bovina que ainda é muito lucrativo. 

Descobri que os animais que nós comemos são simpáticos, sensíveis, animados e carinhosos assim como os meus gatinhos ou os cachorrinhos das minhas amigas e que não vivem uma vida digna quando fazem parte da indústria alimentar ou de peles.

Descobri que todos os seres humanos do mundo que passam fome, poderiam ser alimentados com apenas um terço dos grãos que são oferecidos aos animais que alimentam essa industria. E que o cultivo de grãos e de gado no Brasil é a principal causa de desmatamento da Amazônia, que é chamada de pulmão do mundo, não por acaso.

Descobri que as pessoas que trabalham no preparo da carne no Brasil, em especial a carne para exportação, tem uma jornada de trabalho desumana, se aposenta cedo com diversos transtornos de lesão por movimentos repetitivos, além perder membros muitas vezes por desatenção que o estresse da rotina de trabalho lhes impõe, tudo isso por 500 reais por mês. 


Foram 21 dias de estudo, de empenho, de embrulhos diários no estômago a cada descoberta. Foram 21 dias escolhendo um caminho de mudança, que no dia a dia não é muito prático ou simples, mas que com a mudança de olhar, vai se tornando fácil e até se naturalizando, por se tornar inviável compactuar com uma indústria que causa tudo isso ao planeta. 

Eu, que sempre adorei o gosto da carne, passei a pensar se vale a pena, por um "luxo" do meu paladar, fazer a engrenagem rodar desse jeito. E sei que sou só uma e que a engrenagem não vai parar por minha causa, mas... Acho que estou convencida de tentar fazer a minha parte.

Lanço a vocês um desafio mais suave, que tal um dia por semana sem carne, apenas para ver qual a sensação? Essa é a proposta do site: http://www.segundasemcarne.com.br/ e que é apoiada por vários restaurantes não vegetarianos, mas que nas segunda feiras oferecem opções sem carne, pensando no impacto global. 

Não precisa ser na segunda feira, mas, se topar o desafio, faça uma refeição a menos com carne, ponha menos carne no seu próximo prato, ache um nível de redução do consumo que seja confortável para você e durma mais tranquilo, como eu!

Um abraço,
Carol

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Crianças no Controle: Mudanças na estrutura familiar e a crise na autoridade dos pais


Olá, 

Transcrevo a seguir uma matéria minha que saiu na Revista "Grandes Temas de Conhecimento: Psicologia" Número 19, publicada pela Mythos Editora, em Maio de 2015. 

ALGO ACONTECEU NAS RELAÇÕES ENTRE PAIS, ADULTOS EM GERAL, E AS CRIANÇAS, QUE DESAUTORIZA OS ADULTOS DE DAREM “ORDENS” OU MESMO LIMITES AOS PEQUENOS, MÉDIOS E GRANDES FILHOS.

Nesse artigo, vou destacar o papel da cultura e das mudanças sociais e materiais como uma fonte de influência na mudança do lugar de autoridade dos pais em relação às crianças e na presença de outras instâncias moderadoras da relação entre os pais e os filhos que atravessam esse deslocamento de papéis.

Pretendemos, também, traçar um campo para refletir as alterações subjetivas, não só em relação aos filhos, mas em relação aos projetos pessoais dos sujeitos, que acabam se refletindo no desejo de serem pais. O conceito de autoridade se define por: “1. Direito ou poder de se fazer obedecer, de dar ordens, de tomar decisões, de agir, etc. 2. Aquele que tem tal direito ou poder. 3. Os órgãos do poder público. 4. Aquele que tem por encargo fazer respeitar as leis; representante do poder público. 5. Domínio, jurisdição. 6. Influência, prestígio; crédito. 6. Indivíduo de competência indiscutível, em determinado assunto”. Essa definição do Dicionário Aurélio, nos ajuda a entender o que constitui o conceito de autoridade, que vamos abordar no sentido de seu declínio.  

A escola passou a ser responsável por transmitir o que antes era adquirido por meio do convívio familiar, como as “boas” maneiras, princípios morais e até educação sexual.

Christopher Lasch, em seu livro A cultura
do narcisismo, discute essas questões
no contexto norte-americano. Vamos utilizar
suas reflexões considerando que a cultura
norte-americana acabou por influenciar os
modos de produção e, consequentemente, de
subjetivação no mundo ocidental. Lasch pensa
na reprodução humana como na reprodução
da força de trabalho. Tanto a reprodução
em si, quanto os cuidados em relação aos
jovens, sempre estiveram centrados no seio
da família, porém o sistema de socialização
da produção, ou seja, a produção em massa,
também chamada “industrialização”, acabou
se apropriando também desses aspectos e das
funções socializadoras do lar que, após a II
Revolução Industrial, foram colocadas sob a
alçada do Estado.

O que anteriormente era adquirido por
meio do convívio com os familiares, passou a
ser recebido pela escola: “boas” maneiras, princípios
morais e até educação sexual. Mudanças
sociais, políticas e industriais fizeram com que
a escola assumisse responsabilidades antes assumidas
pelo lar, como o treinamento físico,
mental e social. Na república social, a criança
é vista como um futuro cidadão e, portanto, é
responsabilidade do Estado, e não de seus pais.
Seu bem-estar é de interesse do Estado, que
deve evitar os danos que os pais possam causar
a seus filhos. E aqui, o acesso do Estado a essas
crianças se dá por meio da escola, que assume,
nessa política, o papel de autoridade máxima
em relação aos filhos. O Professor passa a ser
Educador.

Os trabalhadores, pais dessas crianças,
são postos de lado e obrigados a trabalhar
para o Estado. O bem-estar de seus filhos é
“garantido” por essas instituições substitutas
e não há opção, pois o Estado coloca-se como
responsável por eles, em nome de um desenvolvimento
saudável para essas crianças, visando ao bem da sociedade,
como um todo.

O trabalho infantil foi proibido e a custódia
da criança era dada à escola. O Estado via
nos lares desfeitos uma fonte de jovens delinquentes
e ameaçadores. A autoridade dos
pais sobre seus filhos dependia, agora, do desejo
de esses pais em cooperar e em obedecer
aos tribunais de menores, caso contrário,
as competências do sujeito, como pai, seriam
questionadas e a convivência com sua prole
impedida.

O movimento por melhorias do lar possui grandes
contradições, pois, ao mesmo tempo em que instrui
os pais no cuidado com os filhos, dá as costas a esses
pais e toma essa função para si.

Os reformistas concordavam que a família
promovia uma mentalidade restrita e
desfavorável ao desenvolvimento da criança,
levando-os a supor que agentes externos
deveriam substituí-la para o bem da criança.
Agentes, inventados para assumir o papel dos
pais que fossem considerados inadequados,
passaram a educar e formar as crianças, sob
a tutela do Estado.

Nesse contexto, diz Lasch, surgiu também
a chamada “educação de pais”, promovida
pelo Estado por agentes especializados na
criação de crianças, para gerar melhorias
na qualidade do cuidado dado à criança na
família. A escola assumiu um papel mais extenso
– o de cultivar na criança a socialização
fora do âmbito familiar.

O movimento pela melhoria do lar
passou por contradições enormes, pois, ao
mesmo tempo em que buscava instruir os
pais nos cuidados a serem dados aos filhos,
dava as costas a esses mesmos pais, tomando
a frente nessa função. Esse movimento, que
surgiu como parte de um esforço mais amplo
de civilizar as massas, atingiu o cerne da estrutura
familiar, desautorizando maciçamente
os pais, em sua relação com os filhos.

Segundo Lasch, especialistas de diversos
campos incidiam sobre a família e retiravam
as crianças dos lares ditos “impróprios”,
impondo substitutos às figuras parentais. Percebiam,
porém, que apesar dessas ações, as
crianças continuavam “fiéis” aos pais de origem.
Começou-se, então, a pensar que aquelas
famílias, consideradas desestruturadas e
ameaçadoras para as crianças, ofereciam a
elas algo que o lar adotivo não podia dar .
A ideia, então, tornou-se “salvar” não
mais a criança isoladamente, mas toda a família
“desestruturada”, buscando, também, um
modo de civilizar as massas. Os médicos passaram
a atacar os métodos tradicionais de cuidado
com as crianças. Tiravam aos poucos a
confiança dos pais em relação à sua capacidade
de cuidar de seus filhos e iam colocando-se
no meio do caminho, com seus conhecimentos
técnicos supostamente mais adequados.
Com o advento das novas formas de
controle de natalidade, os pais se liberaram
da carga de criar filhos indesejados, mas, ao
mesmo tempo, surgia-lhes uma espécie de
obrigação de fazer com que os seus filhos se
sentissem desejados o tempo inteiro.

Nos anos 1940, a ideia contrária à anteriormente
defendida pelos especialistas aparece:
agora, os pais deveriam voltar a confiar
em seus instintos, no que diz respeito à
criação dos filhos. Os especialistas se deram
conta de que seus conselhos haviam minado
a confiança dos pais e chegaram à conclusão
de que não deveriam culpar exclusivamente
aos pais pelas faltas de seus filhos.

Os pais modernos confiam numa forma prescrita
pelos especialistas para criar seus filhos como os
“vencedores” que a sociedade exige.

No discurso dos pais, aparecia a sensação
de ter falhado em desempenhar o seu papel
como os seus próprios pais haviam feito,
sem saber o que poderiam ter feito diferente.
Esses pais temiam repetir os erros de seus
pais e, por isso, a opinião dos especialistas
virou regra de conduta na criação. O antigo
modelo de autoritarismo era abominado entre
os pais modernos e a permissividade era
agora mais comum.

A desvalorização da paternidade, segundo
Lasch, veio dessa transferência de funções
da família para organizações especializadas.
As habilidades técnicas, que o mundo
industrializado exige dos profissionais, fazem
com que os pais tenham muito pouco o que
levar do cotidiano de seu trabalho para os filhos,
além do amor. Essa situação promove
uma separação, cada vez maior, entre o mundo
do adulto e o da criança, e dificulta, cada
vez mais, as identificações psicológicas fortes
dos filhos com seus pais.

Os pais modernos confiaram em um
jeito prescrito pelos tais especialistas para
lidar com seus filhos e têm um compromisso
com uma ideia de parentalidade perfeita
– criar os filhos “vencedores” que a sociedade
contemporânea exige. O sentimento parental
não é espontâneo, mas idealizado, e o cuidado
que os pais têm para com esses filhos é
exagerado, mecânico, sufocante e esvaziado
do investimento libidinal genuíno.

A atenção da mãe apoia-se tão fortemente
na visão dos especialistas, que não
passa a sensação de segurança aos filhos.
Ambos os pais buscam, na família, um refúgio
ao mundo externo, que julgam ameaçador. O
que eles não percebem é que os padrões familiares
são oriundos, e constantemente reforçados,
pelas condições externas. Segundo
Lasch, o declínio da autoridade parental reflete
o declínio do superego na sociedade, ou
seja, uma diminuição da função paterna, que
dá limite, protege e breca os instintos nos filhos,
criando uma geração sem autodomínio
e sem freio, permissiva, que vive em função
dos prazeres do consumo exagerado.

Voltamos aqui a pensar que as mudanças
na família levaram a uma mudança no
conteúdo do superego, pois, com o fracasso
da autoridade dos pais, o superego dos filhos
mantém-se colado às imagens arcaicas dos
pais, ou seja, esse superego permanece punitivo
e severo sem flexibilização. Um clima
social de permissividade com um superego
severo como aquele da infância, resulta num
descontentamento e em modos depressivos
de subjetividade.

A abdicação da autoridade parental
intensifica, ao invés de diminuir, o medo de
punição que a criança tem, porque suscita
pensamentos de punição muito severos, daquela
fase primitiva. As experiências com a
autoridade externa complementam o treinamento
do cidadão, mas o controle social não
promove uma alteração no superego primitivo.
Coisa que só acontece nas relações familiares,
onde o vínculo é supostamente incondicional,
o que significa que independe
de um comportamento bom ou mal, mas que
é atravessado por eles e pelas consequências
deles.

Vemos, assim, que a evolução da sociedade
pós-Segunda Revolução Industrial
reformulou padrões de convívio familiar e
de condutas parentais por meio da especialização
dos cuidados com a criança e do afas-
tamento dos pais da convivência com seus
filhos. A ampliação da jornada de trabalho e
a retirada da responsabilidade da família em
relação à educação e à socialização primária
das crianças tiveram um enorme efeito de
desvalorização da autoridade parental que
abalou a autoconfiança dos pais como cuidadores
efetivos de sua prole.

“Este movimento de dar o controle às crianças, porém não é sem retorno, muito pelo contrário, já tem sido alterado e questionado pelas famílias e pela nova geração de profissionais que auxiliam e trabalham em parceria com estas famílias.”

Esse movimento de dar o controle às
crianças, porém, não é sem retorno, muito
pelo contrário, já tem sido alterado e questionado
pelas famílias e pela nova geração de
profissionais que auxiliam e trabalham em
parceria com essas famílias. Os novos pais
procuram mudar a natureza de suas relações,
colocar-se novamente como aqueles que sabem
o que deve ou não acontecer na conduta
de seus filhos e nas relações com eles, ainda
que com muito custo e com dúvidas e algumas
vezes questionando-se de estar fazendo
a melhor coisa, o que é comum que aconteça
depois de tanto tempo de questionamento sobre
sua própria condição em tomar as rédeas
da educação moral de seus filhos.

É imprescindível que os pais possam
reaver seus direitos parentais e terem dessa
maneira a possibilidade de se relacionar de
forma mais saudável com seus filhos, sem
modo de lhes dar o limite, limite este que é
fundamental e fundante para gerar crianças
e adolescentes que possam vir a se tornar
adultos seguros, confiantes e felizes, por
terem nos pais e responsáveis esse espelho
de segurança, de alguém que não lhes deixe
de colocar em risco, que lhes promova o
acolhimento e também a cobrança, a briga e
a bronca quando estiverem ultrapassando e
testando esses limites. Só assim as crianças
terão a confiança no adulto que cuida dela,
que ela sabe, que, com falhas e problemas,
sempre fará o possível para mantê-la segura
e dentro de um sistema de valores consistente,
seja ele baseado no que for, mas que faça
sentido para aquele núcleo familiar, ou, pelo
menos, para aquela parceria mãe/filho(a) ou
pai/filho(a).

* Carolina Torres é psicóloga clínica e professora em
Educação Infantil, graduada em Psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
em 2005, com especialização em:
Teoria Psicanalítica pela Coordenadoria Geral de Especialização,
Aperfeiçoamento e Extensão Universitária
(COGEAE) da mesma instituição, em 2009;
Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP), em 2013;
Ética, Valores e Cidadania pela Universidade de São
Paulo (USP), em 2014

Um abraço,
Carol

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Pacientes e terapeutas, professores e alunos

Olá, 

Não consegui escrever na semana passada, talvez por ter ficado bastante impactada pelas reflexões da semana anterior, em que falei sobre os desligamentos que alguns pacientes fazem, "abandonando" o tratamento sem um processo gradual ou consentido entre os dois.

Neste sentido, acho que o terapeuta pode se sentir magoado ao ser "abandonado", pois investimos muita energia no paciente, buscando compreendê-lo e ajudá-lo com questões que não são óbvias e que estão escondidas até dele mesmo. Nosso trabalho é de uma dedicação, atenção, minuciosa avaliação e escuta e nos atrelamos profundamente ao paciente que chega, à sua história e à sua demanda de cuidados.

De forma semelhante, o paciente também precisa ser muito corajoso para poder nos dar o aval para entrar e vasculhar estes pensamentos livres, esses medos, essas travas e as falhas mais genuínas deles. Eles nos permitem entrar pois sabem que de onde estão, de dentro de si mesmos, não conseguem olhar e perceber o que precisam fazer para entender e para mudar o que lhes atrapalha.

Essa troca, quando acontece genuinamente no consultório é muito eficaz, pois traz ao paciente um vínculo de confiança e uma liberdade de ser a si mesmo que em muitos âmbitos da vida cotidiana, seja social, familiar ou de trabalho, não é possível. E é muito libertador ter um espaço semanal em que se pode pensar e falar livremente sem as censuras cotidianas que nos fazem querer agradar o ouvinte. Sem medo de críticas.

No trabalho como professora, vivo algo semelhante. Meus alunos e seus pais precisam de um vínculo forte, de confiança, que também é construído aos poucos no cotidiano. Não é possível ser um bom professor sem bons ouvidos, sem sensibilidade, sem se colocar no lugar do outro para saber onde eles estão em seus processos de aprendizagem, seja no sentido pedagógico, de conteúdo, seja no processo de elaboração, de socialização e de relação com seus pares e consigo mesmos.

Na educação também sofremos com as despedidas, mas elas são mais programadas, são anuais, e a convivência acontece de forma muito mais intensa, em número de horas e de dias na semana, apesar do contexto grupal.  

Acho que nas duas áreas consigo ir elaborando estas aprendizagens e enriquecendo uma com a outra. E me preparando aos poucos para entender mais e melhor sobre os seres humanos únicos e incríveis que vão chegando e partindo.

Que bom que eles chegam e partem para continuar suas trajetórias, enriquecidos, como eu, de mais esta etapa de sua aprendizagem e crescimento pessoal que acontecem nas relações reais que construímos pela vida.


Um abraço,
Carol

domingo, 13 de setembro de 2015

Garota, interrompida

Olá, 

Nesta semana, no consultório, a desistência de uma paciente me fez lembrar que não é possível ajudar sempre, mesmo que tenhamos ferramentas para isso. Nem sempre o paciente vai conseguir na relação com o terapeuta ter recursos diferentes do que tem nas outras relações no mundo, e aí, mesmo na tentativa de trabalhar esta questão, a construção da relação terapêutica também pode falhar, como as outras relações na vida.

É muito frustrante para um terapeuta conseguir reconhecer os caminhos a percorrer num caso, mas não ter a permissão do paciente para ajudá-lo. Mas nesta profissão isso acontece e não é raro uma pessoa desistir do processo, de si mesma, ou apenas interromper por motivos diversos um tratamento. 

Em condições ideais, combinamos um desligamento gradual que vai dando tempo e espaço para que a pessoa vá se desligando aos poucos do processo e do vínculo, sem gerar maiores desgastes emocionais, criando essa independência devagar. Quando o vínculo se quebra de forma mais abrupta, isso pode gerar sofrimento para ambos os lados.

Não podemos emprestar nosso desejo de cura aos pacientes a não ser que eles desejem isso por si mesmos. Por mais que tenhamos uma visão clara e até otimista de alguns casos e de sua possível evolução, o paciente só irá se engajar na própria causa se seu desejo for esse, se houver um incomodo com seus "sintomas" e se ele "abraçar" e se comprometer com isso. 

Também é muito importante podermos reconhecer esse esforço e dizer ao paciente que seu engajamento faz diferença no processo, assim como a vontade de mudar. Reconhecer a necessidade de mudança e fazer uma reflexão séria e profunda sobre seus temas recorrentes, sejam medos ou dificuldades, é muito importante, mas é doloroso e pode acabar sendo evitado ao longo do processo, gerando um atraso e uma sensação de perda de tempo, por não haver melhora significativa ou observável. 

As fantasias que fazemos sobre nos mesmos e sobre diversos temas da vida nos atrapalham muito e podem ser tão cruéis a ponto de nos atrapalhar inclusive no momento de engajamento com o processo terapêutico, o que é uma pena. 

Nesse caso, não há muito o que o terapeuta possa fazer a não ser torcer para que o paciente encontre novamente o desejo de mudança e que consiga, com outro terapeuta ou através de outras vias, seguir até um ponto mais adiante em seu processo.

Esse é o meu desejo sincero sempre que um processo é interrompido.


Um abraço,
Carol

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Amizades, laços e confusões

Olá, 

Estou aqui pensando no laço que travamos com um amigo, com uma pessoa que pode nos dar algumas dicas e talvez até luzes no fim do túnel quando não conseguimos vê-las sozinhos. 

Uma amizade é um laço que não tem definição correta, mas que existe a despeito de laços de sangue, de trabalho, de escola e que pode permanecer e superar todas essas fases. 

Um amigo é alguém com quem se pode trocar e que pode oferecer o que tem e receber o que temos a oferecer, mas sem a necessidade de cobranças e da constância que outros laços exigem, como na maioria dos casamentos, namoros, na relação familiar e nas relações de trabalho ou de estudo, por exemplo.

Um amigo não tem lugar definido na rotina, na vida cotidiana. Ele aparece quando pode e o chamamos quando ele nos faz falta. Ás vezes é possível estar ausente por meses, anos, décadas e retomar um contato com o mesmo entusiasmo que havia no início de uma amizade, mas que por contingências da vida, teve que ser interrompida. 

Um amigo é alguém que participa de alguma forma de partes de nossa vida, mesmo que seja a distância. Pode ser por conta um assunto em comum, de uma experiência vivida que se combina, por valores parecidos, gostos ou pode não ser com nada disso, mas haver uma empatia incrível e inexplicável, mas que é forte o bastante para manter um laço de carinho, de admiração e de respeito e troca mútuas. 

Um amigo é alguém com quem a gente pode falar besteiras, coisas sérias, comemorar alegrias, mas que não precisamos agradar ou corresponder a expectativas. É um laço que deve ser leve e livre, mas que pode fazer diferença em momentos difíceis, como nas grandes crises que passamos na vida, seja ela qual for. 

É importante ter algumas pessoas que nos conheçam e que torçam por nós e vice versa. Que a gente admire e que também admire a gente. É importante também poder ouvir críticas e preocupações destas pessoas que não querem que sejamos nada deles além de amigos, mas que conhecem partes de nosso caminho e querem nos lembrar de coisas que esquecemos ou que não nos atentamos sobre nós mesmos. 

Um olhar de fora é sempre importante. Pode ser equivocado e também enviesado, mas se for de alguém que gostamos, vale a pena ouvir. Pode ser dando uma bronca ou querendo que façamos o que ele pensa ser o melhor, mas deve ser filtrado e ouvido como algo que veio de alguém que tem carinho, mesmo que não concordemos.

É comum confundirmos alguns destes laços e colocar pessoas que são apenas amigos no lugar de irmãos, pais ou mães. Quando isso acontece, é importante tentar ter algum distanciamento para lembrar que eles não são estas pessoas e que não devemos nada a eles, além da amizade de volta. 

Algumas amizades se quebram pelo caminho e é importante tentar entender porque, pois às vezes as mudanças que as pessoas sofrem ao longo do tempo fazem com que as conexões mais óbvias que temos com elas se diluam, pois podemos mudar e mudamos o nosso pensamento, alguns valores e prioridades ao longo da vida, afastando o que nos unia a uma pessoa ou a grupo de amigos. 

Não é preciso sofrer muito quando isto acontece, apenas aceitar e seguir em frente, carregando o que de bom esta amizade trouxe, os ensinamentos para que você possa fazer novas amizades adiante. 

Estar aberto a ouvir o outro é a base mais importante para uma amizade real, de troca. Se preocupar com o que o outro pensa, sente, está passando. Também, sentir abertura para que quando você disser o que  sente, pensa e está passando, isto seja recebido com alguma empatia, podendo trazer algum conforto. Isto é o que se espera do lado de cá e de lá. 

Manter por perto pessoas com quem é possível se sentir bem, atualizar os seus fantasmas e fantasias sobre si mesmo com leveza e seriedade ou até em conversas divertidas e engraçadas sobre as dificuldades e conflitos da vida, pode amenizar e muito o sofrimento em relação a um evento traumático e avassalador.

Vale a pena cultivar pessoas com quem se possa fazer isso. Eu recomendo!


Um abraço,
Carol

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Timidez, insegurança e vulnerabilidade



Olá, 

Nesta semana venho pensando muito na questão da timidez e na dificuldade que algumas pessoas tem de se relacionar e que acaba tornam-as isoladas e solitárias, gerando muito sofrimento e até, em alguns casos, traços depressivos.

A timidez é um traço complexo da personalidade de uma pessoa. Todos nós temos momentos de timidez, vergonha, ou embaraço diante de uma situação em que nos sentimos inseguros ou despreparados para enfrentar. 

Acontece com mais frequência com pessoas mais sensíveis a opinião dos outros sobre elas. Há uma fantasia sobre si mesmo de ser insuficiente, desinteressante, de não ter o que dizer ao outro que possa interessá-lo que afasta as pessoas dos vínculos sociais. 

Essa fantasia surge de uma posição de colocar sempre as outras pessoas acima de si mesmo, imaginando que todos são mais bem resolvidos, seguros, interessantes e que não terão motivos para querer conversar com a pessoa que se sente tão pouco. 

Há duas crenças básicas que limitam as pessoas a se abrirem para se relacionar: a de achar que poderão ser criticados ou depreciados pelo outro (publicamente ou não) e a de sentir que se abrir algo de seu universo pessoal ao outro isso as tornará vulneráveis e frágeis e que deste modo certamente sofrerão.

O medo de sofrer críticas ou rejeições as paralisa completamente. Pois bem, não há de maneira nenhuma, uma forma de prever a reação do outro ao que iremos dizer. Mas, se não nos relacionarmos, nunca saberemos se o outro nos valorizará ou não.

Sem nos colocar perdemos a possibilidade de fazer laços e de trocar com o outro, percebendo assim que ele também tem seus medos, inseguranças, momentos de timidez e que se coloca vulnerável em nossa frente apenas no limite em que ele aguenta. 

Não é possível a uma pessoa com traços de timidez se abrir completamente, confiar e se jogar numa relação expondo toda a sua fragilidade ao outro num primeiro momento. Mas existem etapas possíveis de se chegar ao outro, sem se machucar tanto, se protegendo.

Por exemplo, para alguém que não consegue nem ao menos trocar olhares cordiais com colegas de trabalho, de escola ou mesmo no ambiente familiar ou entre amigos, o exercício de trocar olhares ou mesmo de cumprimentar o outro já abre a possibilidade de o outro vir conversar. A principio podemos apenas ouvir, atentamente, dando sinais de interesse, sem precisar colocar a opinião ou falar sobre algo pessoal. É possível iniciar o contato através de trocas de assuntos amenos que podem ir amaciando uma possibilidade menos intensa de troca para pelo menos ir amenizando a sensação de isolamento total, que gera muito sofrimento.

É claro que em casos muito intensos de isolamento isso é difícil e a iniciativa deve vir junto com com um trabalho de valorização de si mesmo para que estas crenças limitantes que fazem a pessoa se sentir tão mal sejam trabalhadas e revertidas em possibilidade de reconhecimento das próprias qualidades e características positivas, sem tanta auto-crítica e auto-depreciação. É esta auto crítica ferrenha que vai ser projetada no outro que se torna tão ameaçador que é impossível de encarar.

Quando gostamos um pouco mais do que somos e reconhecemos estas coisas que temos para trocar, também podemos olhar com mais clareza para o outro e com menos medo, pois ele é nada pior e nem melhor do que nós mesmos, é apenas outro. E ele também não está tão preocupado assim com o que somos, pois está na mesma caminhada de tentar viver bem com o que ele é, se é que ele sabe exatamente o que é, pois estamos todos um pouco perdidos, tentando descobrir isso e, portanto, menos preocupados em espezinhar onde o outro está em seu próprio caminho do que parece para quem está de fora.

Vale lembrar que é justamente a vulnerabilidade compartilhada que possibilita laços verdadeiros e satisfatórios, pois só assim é que podemos nos conectar de verdade com as pessoas. E esta conexão quando é real e recíproca traz muita satisfação, talvez a maior satisfação que exista, na minha opinião!

Olhe ao redor, sem medo, e você verá exatamente isso. Gente tentando se encontrar e não aplicada em te ajudar a se perder, como parece nitidamente para alguns de nós.

Vamos tentar?

Um abraço,
Carol